Situações complexas não têm soluções simplistas. Por trás do bom senso e do pragmatismo que aparenta, a proposta de usar medicamentos para indicações terapêuticas não aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Sistema Único de Saúde (SUS) esconde alguns sérios problemas legais, sanitários e éticos. A Lei 14.313, de 2022, que dispõe sobre os processos de incorporação de tecnologias ao SUS e sobre a utilização pelo sistema público “de medicamentos cuja indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro da Anvisa”, é um verdadeiro atentado contra o SUS, a Anvisa e, por consequência, a saúde pública.
Para ser usado em larga escala, um medicamento precisa, no Brasil e no mundo, ser testado exaustivamente em pesquisas clínicas que comprovem sua segurança, eficácia e qualidade para os tratamentos terapêuticos indicados. Aprovados esses estudos, que não raro são extremamente dispendiosos, o produto recebe o registro solicitado pela indústria farmacêutica que o desenvolveu e pode ser oferecido para a população, para uso de acordo com as indicações descritas na bula.
É nesse contexto que se inserem os medicamentos oferecidos pelo SUS. São produtos de consumo amplo, que precisam, obrigatoriamente, seguir as diretrizes gerais de uso previstas nas bulas aprovadas pela Anvisa. Contrariando esse princípio, a indicação terapêutica off label, aquela que não consta da bula aprovada pelo órgão regulador, é sempre restrita e determinada. Portanto, criar no SUS uma regra que permite o uso de medicamentos para doenças não aprovadas no registro do produto na Anvisa representa um grave ameaça à saúde coletiva.
Quando, após as extensas fases da pesquisa clínica, as indústrias farmacêuticas obtêm a aprovação de um medicamento e o lançam no mercado, o passo seguinte é acompanhar, permanentemente, o uso desse produto pelo consumidor, para confirmar a segurança, eficácia e qualidade originais. Esse processo é chamado de farmacovigilância e envolve uma grande rede de centros e profissionais e investimentos de milhões de reais por ano para monitorar a correta aplicação dos produtos e os relatos de efeitos colaterais; e, em casos graves, suspender a distribuição para proteger a população, como já aconteceu no passado.
Fonte: CNS.