A guerra dos genéricos ocorrida no final de século passado será vista como uma brincadeira de crianças perto daquela que se prepara com os medicamentos de última geração, os chamados “remédios biológicos”. Muito mais complexos, difíceis de fabricar e caros, os medicamentos biológicos também possuem os seus genéricos, conhecidos como “biossimilares”. Agora, uma análise feita a partir de 20 estudos mostra que os originais são tão bons quanto as suas cópias.
Para entender aquilo que se aproxima, é preciso olhar um pouco para o passado. A primeira coisa é diferenciar os remédios tradicionais dos biológicos. Os primeiros possuem uma base química, razão pela qual, utilizando o mesmo princípio ativo, a mesma fórmula e os mesmos meios de fabricação, um medicamento genérico pode ser tão eficaz (do ponto de vista terapêutico), seguro (sob a ótica dos efeitos colaterais) e ter a mesma ação farmacocinética que o original.
No caso dos biológicos, a coisa se complica. Como as vacinas ou a insulina, eles se baseiam em um ser vivo, seja uma bactéria, um fungo ou alguma célula modificada por meio da biotecnologia. Isso faz com que uma cópia perfeita seja impossível de se produzir. Por isso, os genéricos dos remédios biológicos são chamados de “biossimilares”, e não “bioidênticos”.
Fator preço
O outro item a ser considerado é o preço. Os custos de desenvolvimento de um remédio biológico são muito elevados e não diminuem proporcionalmente quando, uma vez obtida a sua “fórmula mágica”, se passa a produzi-los em massa. Isso faz com que esses medicamentos sejam muito caros.
Eles tornaram possível uma revolução no tratamento do câncer, da artrite ou de doenças inflamatórias do intestino, mas provocaram uma grande elevação nos custos do sistema de saúde.
Para os fabricantes, foi um grande negócio. Em comparação com os milhares de remédios químicos, os biológicos são apenas algumas dezenas, mas, em 2017, deverão representar 20% do € 1,04 bilhão (cerca de R$ 4 bilhões) utilizado no consumo de remédios no mundo, segundo um relatório do IMS Health.
“Há muita coisa em jogo”, afirma Caleb Alexander, professor da Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em entrevista para o jornal espanhol “El País”. “É enorme o fluxo de dinheiro destinado para as contas dos laboratórios farmacêuticos que desenvolveram os primeiros remédios biológicos”, completa ele.
A questão das Patentes
A quebra da patente de muitos deles, porém, já está estimulando a produção de biossimilares que aliviariam relativamente os custos para a saúde pública. Nos EUA, já foram aprovados dois biossimilares. Na Europa, que nesse caso está bem à frente, a Agência Europeia de Medicamentos já liberou 21 biossimilares.
Com um grupo de colegas, Alexander fez uma compilação de todos os estudos comparativos entre remédios biossimilares e os originais usados no tratamento de artrite reumatoide, psoríase e doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn ou a colite ulcerosa. Trata-se de medicamentos baseados em inibidores de uma proteína decisiva para o sistema imunológico conhecida como “fator de necrose tumoral”.
Entre esses trabalhos, há ensaios clínicos em fase I (para determinar sua segurança) e em fase III, prévios a sua comercialização. Há também estudos que fazem um acompanhamento dos medicamentos aplicados a pacientes tratados inicialmente com originais e depois com biossimilares.
Biossimilar se mostrou melhor em alguns casos
No estudo conduzido por Caleb Alexander, da Johns Hopkins, e publicado no periódico “Annals of Internal Medicine”, o grupo afirma que, em todos os ensaios clínicos analisados, tanto da fase I quanto da fase III, os biossimilares registraram uma margem de equivalência entre 80% e 125% em relação aos medicamentos originais de referência. Embora não se possa inferir diretamente nos percentuais que em alguns casos o biossimilar é até mesmo superior ao original, “essa margem de equivalência se refere ao mínimo que um produto rende em relação ao produto ao qual ele é comparado”, lembra Alexander.
“O mesmo debate que aconteceu por ocasião da chegada dos genéricos, bem menos complicados, se repete novamente, agora com muito mais em jogo, com maiores possibilidades de erros, mas com um potencial também maior de redução de custos para o sistema de saúde”, comenta ele, que também integra a diretoria do Centro Johns Hopkins para a Segurança e Eficácia de Medicamentos.
“Com base nas provas disponíveis, podemos concluir que os produtos estudados são comparáveis e, com toda segurança, serão mais baratos”, acrescenta.
Guerra das patentes está por vir
Embora a análise feita pelos pesquisadores da Universidade Johns Hopkins tenha focado apenas um tipo de remédio biossimilar, deixando de fora outros já existentes, como os que se baseiam em anticorpos monoclonais, indicados para a psoríase e vários tipos de câncer, os pesquisadores acreditam que seus resultados devem diminuir as exigências para que os biossimilares possam competir com seus originais à medida que as patentes se expirem.
“A verdadeira guerra se dará no mercado dos biossimilares”, comenta Miguel del Fresno, professor que há anos pesquisa as estratégias adotadas para conter a chegada dos genéricos e, agora, a dos biossimilares. E, nessa guerra, ele vê a existência de várias frentes de batalha, desde a definição clara do que é um biossimilar até a definição de quem pode receitá-lo, passando pela escolha a partir da marca ou do princípio ativo.
“As patentes preservam o bem privado, enquanto o acesso aos medicamentos a um custo razoável preserva o bem público”.
Fonte: Midía News