A hora é de discutir a regulamentação dos medicamentos biotecnológicos. Sob este entendimento, entidades representativas de pacientes e especialistas, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, estão em busca de respostas para essa nova realidade terapêutica.
Entre as questões abordadas para assegurar o acesso da população a esses fármacos de qualidade e com segurança, a farmacovigilância (identificar, avaliar e monitorar a ocorrência de eventos adversos dos medicamentos) e a intercambialidade (substituir no caso, os medicamentos de referência pelos chamados biossimilares) estão no topo da lista.
“Na América Latina, avançamos muito na regulamentação baseada no guia da OMS (Organização Mundial de Saúde) em 2009. Mas ainda não há clareza na questão da aplicação da biossimilaridade. As próprias autoridades de países como Colômbia, México, Chile e Paraguai costumam não respeitar isso, aceitando medicamentos que não passaram por todos os estudos de análises”, afirma o farmacologista clínico Gilberto Castañeda.
Ele é investigador do Cinvestav (Centro de Investigação e de Estudos Avançados) do IPN (Instituto Politécnico Nacional) no México, mas também tem acompanhado o tema em diversos países. “No Brasil, a regulamentação é bastante sólida. A Anvisa está trabalhando muito bem, mas há uma lacuna importante que é a intercambialidade”, aponta.
Os medicamentos biotecnológicos, ao contrário dos genéricos, que tiveram os primeiros registros concedidos no ano 2000 no País, não podem ser reproduzidos identicamente, pois são moléculas complexas desenvolvidas a partir de organismos vivos. Por essa dimensão e complexidade, esses fármacos têm vida útil reduzida e para substituí-los estão surgindo os chamados biossimilares.
Essas drogas revolucionaram o tratamento de muitas doenças como o diabetes, hepatite B e C, artrite psoriásica, esclerose múltipla, anemia, câncer, doenças neurológicas e hematológicas, doença de Crohn e a AR.
A questão é que por não se tratar de medicamentos idênticos aos inovadores, a troca de um medicamento por outro podem ocasionar efeitos adversos, capazes de desencadear uma resposta imune nos pacientes. Por isso, entidades e especialistas defendem a implementação de políticas de farmacovigilância e regulamentação adequada sobre intercambialidade em todos os países.
Castañeda diz que é necessário esclarecer legalmente de quem é a responsabilidade em decidir a troca de um medicamento biológico por um similar em pacientes que estão tendo boa resposta ao produto.
“Os desafios estão na boa comunicação entre médicos, farmacêuticos, governos e pacientes, pois todos os pacientes têm o direito de saber qual produto estão tomando. E nesse momento, poder tomar uma decisão informada será muito bom para todo o sistema”, ressalta.
Castañeda foi um dos palestrantes no Workshop de Biológicos e Biossimilares para Jornalistas, da GAfPA (Aliança Global para o Acesso de Pacientes). O evento aconteceu no 20° Panlar (Congresso Pan-Americano de Reumatologia) 2018, no início do mês em Buenos Aires, na Argentina.
REGRAS CLARAS
Partindo da própria experiência ao ser diagnosticada com AR (artrite reumatoide) em 2006, a jornalista brasileira Priscila Torres vem desde então, abraçando a luta pelos direitos dos pacientes de doenças reumatológicas.
Há 10 anos, ela fundou o grupo EncontrAR (Encontro de Pessoas com Artrite Reumatoide) e hoje é líder do movimento BioRED Brasil, uma rede de associações em prol de medicamentos biotecnológicos seguros e de qualidade para os pacientes brasileiros.
Segundo Torres, é preciso estabelecer regras claras sobre como será a intercambialidade do medicamento biossimilar no SUS (Sistema Único de Saúde). “Precisamos resguardar ao paciente o direito de ter o medicamento substituído quando for uma recomendação médica e não por uma questão mercadológica”, sustentou.
A BioRED Brasil é formada por 33 organizações de pacientes, sendo 19 relacionadas às doenças reumáticas. O objetivo é estimular a farmacovigilância passiva e a definição de consensos regulatórios sobre intercambialidade.
De acordo com a entidade, hoje são 24 medicamentos fornecidos pelo SUS para o tratamento de doenças reumáticas, sendo oito deles biológicos e 16 sintéticos. Quanto aos biossimilares, são dois registrados até o momento e dois em desenvolvimento.
Para Eva Maria Ruiz de Castilla, diretora da GAfPA na América Latina, a troca de medicamento sem consultar os próprios pacientes e médicos, tem sido uma das maiores demandas da entidade. “Eles entendem que a questão financeira prevalece sobre o consentimento do paciente e dos médicos. Precisamos mostrar ao sistema que não se deve tomar decisões somente por preço, mas pela eficácia que têm aos pacientes”, ressaltou.
Além da farmacovigilância e intercambialidade, as entidades também defendem a importância de definir uma nomenclatura definitiva sobre os biossimilares, seguindo padrões internacionais. Segundo a assessoria do MS (Ministério da Saúde), a terminologia biossimilares não é correta a ser utilizada no País, e sim “medicamento biológico” ou “medicamento biológico inovador”.
Fonte: https://www.folhadelondrina.com.br/geral/biossimilares-na-mira-1005974.html