Em transmissão online, farmacêuticas explicam os desafios desde a compra dos medicamentos até a entrega aos pacientes
Realizado pela ClapBio e pela Biored Brasil o evento reuniu a Dra. Elaine Lazzaroni, farmacêutica da Divisão de Suprimentos do INCA, Dra. Anemeri Livinalli, consultora farmacêutica em Oncologia, Dr. Ricardo Garcia, representando a ClapBio e Priscila Torres, a Biored Brasil. Durante a transmissão os participantes apresentaram seus pontos de vista sobre os principais desafios na assistência farmacêutica e também compartilharam suas ideias sobre o que precisa ser mudado para um atendimento mais eficiente aos pacientes. O webinar “Cuidados na distribuição, dispensação e farmacovigilância de medicamentos biológicos”, transmitido em 7 de outubro, está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=9KZmeGIecM8
Iniciando o debate, Dra. Elaine explicou o processo de compra pública, guiado por uma série de etapas, que visam garantir a maior transparência possível e, por isso, demandando um tempo longo até ser finalizado. “Hoje eu tenho uma equipe que está super feliz de conseguir conduzir um processo em 180 dias. Porque eu já cheguei a levar 300 dias para fazer apenas um processo de compra. Felizmente, a gente consegue fazer em 180 dias e isso é uma grande comemoração. A lei de licitações, que é seguida nas instituições públicas é ritualística”, disse.
E por mais que o tempo tenha sido reduzido, ele ainda é longo e muitas vezes pode gerar problemas na hora da compra dos medicamentos. A estimativa de preço feita no início do processo pode não ser a mesma no momento da compra em si, podendo apresentar um valor elevado o que inviabiliza a finalização. Essa situação é um dos problemas que causam desabastecimento de hospitais e ambulatórios, segundo a profissional.
Outra questão que pode gerar desabastecimento, segundo Dra. Elaine é a dificuldade em calcular a quantidade ideal de medicamentos para a compra. Apesar de existirem metodologias para isso, o principal panorama utilizado para definir as estimativas futuras são as análises dos atendimentos passados. “A gente tem uma margem de erro bem considerável e isso afeta muitas vezes. Tem situações em que entramos em desabastecimento institucional muitas vezes por causa do cálculo que foi feito. Você cria uma expectativa de pacientes e aquilo se amplia. Isso explica muito do que a gente falha em prover o acesso”, explicou.
A profissional ainda ressaltou que embora possa parecer que a solução mais simples para esse caso seja aumentar consideravelmente as quantidades em relação ao ano anterior, essa prática é inviável devido à questões orçamentárias. O orçamento é fixo e precisa ser dividido da forma mais igualitária possível entre todos os setores envolvidos.
Além do desafio em equilibrar o orçamento, a compra pública de medicamentos biológicos também enfrenta a dificuldade de não poder adquirir produtos por nome de marca. Apenas o nome do fármaco é permitido e com as tecnologias dos medicamentos biossimilares disponíveis, não há uma diferenciação entre eles na hora da compra. “Efetivamente a gente não consegue com a base normativa e legal jurídica que hoje dá corpo a esse rito da compra pública fazer nenhum tipo de diferenciação. Então, a gente está na expectativa do que está para vir de diferenciação. Vamos às letrinhas? Vamos diferenciar de alguma forma? Ou não, não vai ter nenhuma diferenciação e vai todo mundo para a licitação como se fossemos todos iguais? Porque é isso que está acontecendo hoje”, reforçou Dra. Elaine.
Os problemas atuais na farmacovigilância
Aproveitando o gancho sobre a compra dos medicamentos ser feita apenas pelo princípio ativo, Dr. Ricardo ressaltou que existem medicamentos biológicos que já possuem cinco biossimilares para àquela molécula. E isso irá eventualmente gerar múltiplas trocas entre essas tecnologias. Ele também aproveitou e questionou à Dra. Annemeri como isso impacta na farmacovigilância.
“Esse é um ponto extremamente delicado, não só com os biológicos, mas com os medicamentos em geral. E embora a gente tenha que exaltar os avanços que a ANVISA teve nesses quesitos da farmacovigilância e na questão de legislação, nós farmacêuticos temos ainda uma limitação muito grande em relação a farmacovigilância”, afirmou à Dra. Annemeri.
Para a profissional um ponto chave na farmacovigilância é ter pessoas capacitadas e dedicadas exclusivamente àquela atividade. Ela ainda ressaltou que existem unidades de saúde, tanto em nível hospitalar quanto ambulatorial que possuem uma estrutura de farmacovigilância bem organizada. Porém, em muitas outras não há essa estrutura. E sem ela, não é possível acompanhar e estabelecer critérios adequados para situações como múltiplas trocas de medicamentos e a dispensação para os pacientes.
“E quando a gente fala de farmacovigilância não é só saber onde o medicamento está. Isso é rastreabilidade e eu consigo ter essas informações. Mas a farmacovigilância vai além. Quando a gente se dispõe em fazer farmacovigilância eu não estou só preocupada em acompanhar os possíveis desvios de qualidade do produto e de possíveis reações adversas que esse paciente pode apresentar. Eu tenho várias outras questões, como a ineficácia. No caso dos medicamentos biológicos tem a preocupação que gira em torno deles em relação a imunogenicidade. Então, entram aí outras questões relacionadas para instituir o plano em relação a cada medicamento”, reforçou..
Sem os recursos humanos necessários e a estrutura bem desenhada, não é possível recolher os dados essenciais para o monitoramento do paciente. E segundo a profissional, nesses casos, a farmacovigilância acaba caindo em grau de prioridade para os farmacêuticos. Embora eles tenham consciência da importância da farmacovigilância, sem o apoio necessário para que ela aconteça os profissionais não conseguem executá-la.
A valorização do farmacêutico e a jornada do paciente
Para Priscila Torres é importante que o paciente compreenda o processo de compra para que em casos de desabastecimento eles sejam capazes de discernir de quem cobrar e não descontar a frustração dessa situação nos profissionais das farmácias de alto custo, que, infelizmente, não têm voz no processo.
“Quando o paciente traz essa denúncia de que está faltando medicamento, para nós, organização de pacientes, a gente não pode só saber que está faltando naquela cidade. A gente precisa entender o que está acontecendo naquela jornada desde o momento da compra: como foi comprado, como aconteceu a dispensação, como chegou da cidade grande até as cidades pequenininhas, etc. E, principalmente, como que está sendo feita a gestão do componente lá na assistência farmacêutica”, afirmou ela.
Priscila apresentou durante sua participação na transmissão o comentário de uma paciente que reclamou que em Belém, no Pará, os pacientes recebem a primeira dose do medicamento biológico, mas muitas vezes não têm as próximas. Ela questionou essa prática, pois são medicamentos de uso contínuo e fornecer a primeira dose do medicamento sem a certeza de que haverá quantidade suficiente para dar continuidade ao tratamento é um desperdício de recursos.
Além disso, ela destacou que atualmente está faltando na assistência farmacêutica uma estrutura tecnológica que permita um sistema de dados integrado que auxilie no controle de estoque, fornecimento e etc., assim como falta a valorização dos farmacêuticos. Segundo ela, se os pacientes fossem atendidos e orientados pelos farmacêuticos sobre o uso correto dos medicamentos, como reconhecer os efeitos colaterais esperados e como lidar com eles, a adesão ao tratamento seria bem maior. Isso também evitaria trocas de medicamentos para tecnologias mais caras, em muitos casos, porque o paciente não estava bem orientado sobre a medicação prescrita. “Se a gente tivesse uma oportunidade de ser atendido em uma linha de cuidado farmacêutico tudo seria mais fácil e a gente teria mais segurança, mais economia e condições adequadas de farmacovigilância. Esse é o mundo que a gente acredita ser o adequado”, reforçou Priscila Torres.