Desafios na produção e comercialização mundial de insulinas prejudica pacientes com diabetes.

A concentração da produção de insulinas em grandes e poucas empresas globais de saúde inviabilizam a distribuição equitativa. Pacientes diabéticos expõem preocupações 

No final de 2024, o Brasil enfrentou uma crise mundial no abastecimento de insulina, o que resultou na falta do medicamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), afetando milhares de pessoas diabéticas que dependem da insulina para sobreviver. O problema foi causado por atrasos nas compras governamentais e dificuldades na importação, o que resultou na escassez das insulinas NPH e Regular em diversas regiões do país. Diante da situação, o Ministério da Saúde (MS) interveio, garantindo a aquisição emergencial do medicamento para normalizar o fornecimento.

Apesar da crise, os problemas de desabastecimento de insulinas no Brasil já são conhecidos por quem precisa do SUS para ter acesso aos medicamentos, seja em função do cumprimento de contrato com os análogos de insulina, ou por problemas na produção mundial do medicamento concentrados em grandes e poucas empresas.. 

A insulina é a base do tratamento da diabetes – ela transforma uma doença mortal em uma doença controlável para nove milhões de pessoas com diabetes tipo 1. Para mais de 60 milhões de pessoas que vivem com diabetes tipo 2, a insulina é essencial para reduzir o risco de insuficiência renal, cegueira e amputação de membros.

A distribuição de insulina no Brasil ainda apresenta inconsistências que afetam o acesso dos pacientes ao tratamento adequado. De acordo com a advogada, ciberativista em saúde e administradora do blog Diabetes e Democracia, Debora Aligieri, é necessário levar em consideração duas questões: o monopólio de poucas empresas mundiais na produção e distribuição de insulinas e o cenário recente onde as grandes empresas concentram à produção de medicamentos mais lucrativos, como a Semaglutida,  a despeito de outros com lucro menor. 

“Nesse sentido, o investimento que o Ministério da Saúde tem feito no Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que inclusive prevê a reabertura de uma fábrica brasileira para produção de insulina, é muito importante para a autonomia do país”, afirma Aligieri.

Um relatório produzido pela “Keeping the 100-year-old promise – making insulin access universal”, publicado em 2021, já apontava para a complexidade do cenário. Dentre vários aspectos abordados no relatório, está o fato que “três empresas multinacionais controlam mais de 90% do mercado de insulina, deixando pouco espaço para empresas menores competirem pelas vendas de insulina”.

Embora o Ministério da Saúde tenha implementado medidas para assegurar o fornecimento de insulina no Brasil, como a contratação de 55,6 milhões de unidades em 2024 e a previsão de R$1 bilhão para aquisições em 2025, a distribuição do medicamento ainda enfrenta desafios. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Saúde relatou dificuldades no abastecimento, mencionando que, dos 95 mil frascos de insulina NPH solicitados, apenas 26,3 mil foram entregues.

Qual é o contexto?

No Brasil, a distribuição gratuita de insulina e medicamentos para diabetes é garantida por leis como a nº 11.347/2006, que assegura o fornecimento desses insumos a pacientes inscritos em programas de educação especial para diabetes.

Já a Portaria nº 2.583/2007, do Ministério da Saúde, regulamenta a distribuição de insulina e outros medicamentos pelo SUS, determinando que unidades de saúde pública forneçam gratuitamente insumos como seringas, agulhas e tiras reagentes para pacientes com diabetes. Além disso, estabelece diretrizes para a educação continuada de profissionais de saúde e pacientes, garantindo o uso seguro e adequado desses recursos.

Essas leis e normas garantem o acesso contínuo e gratuito à insulina e outros medicamentos para pacientes com diabetes no Brasil, assegurando o tratamento adequado e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida

No entanto, uma questão que interfere na eficácia da distribuição das insulinas nos estados e municípios, é o acesso da população e dos prescritores dos medicamentos à informação qualificada, como o preenchimento de documentos, formulários e protocolos importantes para o que o medicamento chegue no tempo certo à população que dele depende.

Recentemente, em nota, o Ministério da Saúde publicou que vai garantir o abastecimento de insulinas NPH e regular para tratamento de pessoas com diabetes pelo SUS e que a aquisição internacional e via Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) foram algumas das iniciativas tomadas pela pasta para manter os estoques regulares de insulina humana na rede pública de saúde.

Segundo a pasta, a população com indicação médica para o uso de insulina humana que enfrentarem dificuldades para obter o medicamento em farmácias privadas, incluindo aquelas vinculadas ao programa Farmácia Popular, devem procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima para atendimento. Tais ações desenvolvidas pelo SUS visam atender a sociedade brasileira, reafirmando o compromisso com o bem-estar da população e o direito à vida.

Qual é a gravidade e consequência do problema?

Os desafios relacionados ao acesso à informação e à disponibilidade de dados corretos sobre o diabetes e seus tratamentos afetam diretamente pacientes, profissionais de saúde e gestores do SUS. A falta de transparência na oferta de medicamentos é um dos principais problemas, dificultando o conhecimento sobre quais tipos de insulina estão disponíveis no SUS e nas farmácias populares. Muitas vezes, os pacientes enfrentam barreiras para acessar informações atualizadas sobre estoques, distribuição e alternativas terapêuticas, o que pode comprometer a continuidade do tratamento.

Outro obstáculo significativo é a disseminação de desinformação sobre o diabetes, incluindo falsas curas e dietas sem comprovação científica. Mitos propagados por influenciadores pouco preocupados com a qualidade das informações que compartilham, empresas privadas e até mesmo alguns profissionais de saúde colocam em risco a saúde dos pacientes, induzindo a escolhas inadequadas de tratamento. Além disso, a ausência de canais acessíveis e didáticos sobre o uso correto da insulina e o manejo da doença pode levar a complicações que seriam evitáveis com um suporte mais eficiente.

A carência de um banco de dados nacional atualizado e unificado sobre diabetes também representa um entrave na formulação de políticas públicas eficazes. Informações como o número real de pacientes dependentes de insulina, perfis epidemiológicos e consumo de medicamentos nem sempre são acessíveis ou transparentes, dificultando a tomada de decisões estratégicas para melhorar o atendimento. Diante desses desafios, é essencial investir em políticas que garantam a circulação de informações confiáveis, facilitem o acesso aos medicamentos e promovam maior transparência na gestão da saúde pública.

O acesso correto à informação é tão essencial quanto o próprio medicamento. Sem isso, pacientes podem ficar desamparados, e a luta contra o diabetes se torna ainda mais desigual.

O que dizem os (as) pacientes?

Enquanto soluções definitivas não são implementadas, quem depende da insulina vive momentos de incerteza. Ivanete Guimarães, 65 anos, moradora de Belém-PA, com diabetes do tipo 2, conta que precisou recorrer a grupos de doação para conseguir o medicamento. “Quando fui buscar a insulina no posto de saúde, me disseram que não havia previsão para a chegada. Tive que pedir ajuda em redes sociais até conseguir algumas ampolas”, relata.

A falta de insulina não impacta apenas os pacientes, mas também sobrecarrega o sistema de saúde. Sem o controle adequado da glicose, o risco de internações por complicações do diabetes aumenta, gerando maior demanda por atendimento hospitalar e custos adicionais ao SUS.

Um levantamento exclusivo realizado pelo “Um Diabético”, junto às secretarias de Saúde, aponta um cenário desigual no abastecimento de insulina NPH no Brasil. Embora o Ministério da Saúde afirme que os estoques estão regulares em toda a rede, 10 estados e o Distrito Federal relataram dificuldades ou desabastecimento parcial. Outros 16 estados garantem que o fornecimento está normalizado. 

A paciente com diabetes tipo 2, Maria Magnólia Silva, 62 anos, moradora do Recanto das Emas-DF, relata que é essencial que o governo priorize a distribuição de medicamentos sem interrupções. “Antes de eu ter acesso aos medicamentos gratuitos, eu tinha que arcar com esses medicamentos e agora, com a parceria do governo com as Farmácias Populares, ficou  melhor, porque na falta de medicamentos no posto de saúde eu recorro às farmácias”, afirma.

O que dizem as autoridades?

O Ministério da Saúde reconhece os desafios e afirma que tem tomado medidas para normalizar o abastecimento. “Estamos intensificando as compras e buscando novas estratégias para garantir que a insulina chegue a todos os pacientes que precisam. A prioridade é evitar qualquer interrupção no tratamento”, declarou a pasta em nota oficial.

Além disso, algumas secretarias estaduais de saúde têm adotado medidas emergenciais, como a redistribuição de estoques entre municípios e a ampliação da importação de insulina. No entanto, especialistas alertam que essas soluções são paliativas e reforçam a necessidade de políticas públicas de longo prazo para garantir a autossuficiência na produção do medicamento.

A Biored Brasil, movimento social formado por 78 associações representantes de pacientes, acompanha e cobra respostas das autoridades sobre a situação do abastecimento de insulina no país. É missão da Biored a luta constante para o acesso e uso racional dos medicamentos aos pacientes, assim como o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como um direito humano integral, equânime e universal.

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Fontes:

Cris Cirino

Grupar-BR- Grupo de Apoio ao Paciente Reumático Brasil


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