O acesso a informações sobre serviços de saúde deveria ser um direito de todos. Contudo, sabemos que, na prática, o conhecimento sobre tratamentos de doenças específicas, por exemplo, fica relegado a uma pequena parcela de quem realmente necessita desse tipo de auxílio.
Portanto, de que forma podemos democratizar a alfabetização em saúde? Quais os caminhos para que a população de uma forma geral tenha acesso a esse tipo de informação e participe diretamente das tomadas de decisão a respeito de seus tratamentos?
Foi justamente para discutir isto que Eulàlia Hernández e Alezandra Torres, membros da rede espanhola Alfabetización para la Salud, e Eva Maria Ruiz de Castillla, presidente da LAPA – Latin America Patients Academy, se reuniram na 3º edição do Biossumit Brasil, da Biored Brasil, realizado entre os dias 29 e 30 de novembro.
Afinal, o que é Alfabetização em Saúde?
A Organização Mundial de Saúde reconhece a alfabetização para a saúde como um aspecto básico desde muito tempo. Mais recentemente, o conceito aparece em documento de 2013 da Health Literacy, e é citado de forma transversal nos objetivos da OMS de 2015. No ano seguinte, foi determinado como um dos três pilares básicos de promoção da saúde.
Para tornar esta ideia mais objetiva, a pesquisadora Eulália Hernández traz uma definição mais clara do tema: alfabetização em saúde é o grau em que as pessoas são capazes de obter, compreender, avaliar e usar informações de saúde para utilizar os serviços e tomar as decisões apropriadas em matéria de saúde. Este é um conceito relativo e dinâmico, na qual a alfabetização em saúde se encontra em uma gangorra entre as habilidades do paciente e a complexidade de suas demandas.
Quando o usuário do sistema de saúde contrai um resfriado, por exemplo, a complexidade de sua demanda torna bem mais palpável a compreensão desta doença para o sistema. Entretanto, no caso do Covid-19, as habilidades de compreensão ficam mais complexas. Por isto a importância de que a população tenha as ferramentas necessárias para compreender suas necessidades de saúde em diferentes contextos.
Órgãos públicos já pensam o acesso à alfabetização em saúde
Não são todos os indivíduos que por si só têm a capacidade de buscar informações a respeito das doenças e tratamentos que possuem direito.
Para isso, é necessário recursos e sistemas capazes de viabilizar grupos alfabetizados em saúde através de ações efetivas. Foi pensando nisso que pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, desenvolveram uma metodologia para trabalhar com esse conhecimento em comunidades, aproveitando o saber e a cultura de cada região e unindo isso às ações que promovem a alfabetização em saúde entre os cidadãos.
No Brasil, o Rebrals (Rede Brasileira de Letramento em Saúde) faz um trabalho semelhante: o grupo é responsável por trazer à tona discussões acerca do tema, atuando de forma massiva em eventos e atividades que fornecem autonomia para os pacientes a respeito de seus direitos. Ainda em língua portuguesa, temos também a SPLS (Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde), grupo de Portugal criado com o mesmo propósito.
Alfabetização digital em saúde
Alezandra Torres ressalta outra vertente importante ao tratar do tema: a alfabetização digital em saúde, que é a competência de buscar, compreender, avaliar e ampliar a informação de saúde filtrada da internet e utilizá-la para resolver problemas. Confira a íntegra da apresentação: https://youtu.be/KGg0-DxOCEM
Os principais desafios da alfabetização digital para a saúde são a desigualdade digital: em muitas regiões ao redor do mundo a realidade é que nem todos têm acesso à internet, e se têm, não dispõem de competências para utilizar ou sequer confiar nos recursos disponíveis online.
Neste sentido, é essencial educar e capacitar as pessoas para que elas possam entender e utilizar informações confiáveis de maneira eficaz. Para isso, o desenvolvimento de cursos online, aplicativos e outros tipos de ferramentas podem ajudar na capacitação de todos.
Como atua a LAPA?
A Latin America Patients Academy, aqui representada por sua presidente Eva Maria Ruiz de Castillla, é uma organização sem fins lucrativos com sede em Miami, EUA. Estabelecida oficialmente em 2018, o grupo fornece educação e capacitação de alto nível para líderes e sócios em saúde a nível mundial.
A instituição já certificou mais de 320 líderes de pacientes em mais de 14 países, criando oportunidades de colaboração de múltiplas partes, assessorando organizações individuais e coletivos regionais, promovendo o movimento da sociedade civil baseado nos pacientes de das regiões, impulsionando o trabalho intersetorial e articulado com todos os atores do ecossistema da saúde.Confira a íntegra da apresentação: https://youtu.be/t1ymleGSE0w
A Latin America Patients Academy (LAPA) reconhece a alfabetização em saúde como um valor fundamental, encarado como um propósito e uma missão; ela identifica áreas de oportunidades e implementa alfabetização em saúde baseada em projetos complementares; é consciente sobre a relevância do tema e estuda como superar os desafios do letramento em saúde; amplia a alfabetização em saúde para expandir a visão das pessoas sobre a questão o máximo possível.
A LAPA também se preocupa com a questão do letramento em saúde. “A alfabetização em saúde implica no conhecimento, na motivação e nas competências para acessar, compreender, avaliar e aplicar a informação a partir do julgamento e da tomada de decisões no que diz respeito à atenção médica” explica Eva, “a prevenção de doenças e a promoção da saúde na vida cotidiana para manter e promover a qualidade de vida das pessoas”.
Fatores que afetam a alfabetização em saúde dentro do sistema de saúde pública
Profissionais de saúde pública devem ser parte integrante na busca pela alfabetização em saúde das comunidades nas quais atuam. Para isso, estes devem ter habilidade de comunicação, garantindo que o público receba informações confiáveis e seja auxiliado na tomada de decisões sobre sua saúde.
Deve ser analisado o nível de complexidade da informação em saúde, garantindo que seja passada de forma clara para o público alvo que se deseja alcançar, respeitando a aptidão cultural e linguística da informação sobre os serviços de saúde, para que a mensagem seja clara para as pessoas que a recebem dentro do seu contexto social.
É importante também o desenvolvimento de canais de difusão de informação, na qual os profissionais de saúde pública compartilhem informações com a comunidade através de mensagens de texto, mídia impressa e outros recursos.
No entanto, para que esses objetivos sejam alcançados dentro de uma instituição, é importante entender se há infraestrutura disponível para realizar a disponibilidade de recursos que apoiem os profissionais de saúde a compartilharem as informações.
Como deve ser uma organização que amplia a alfabetização em saúde?
Segundo a presidente da LAPA, uma organização de saúde deve integrar a alfabetização em saúde no planejamento, medidas de avaliação, segurança do paciente e melhoria da qualidade. Deve fazer tudo isto monitorando o progresso dos usuários e garantindo fácil acesso aos serviços de saúde, utilizando estratégias nas comunicações interpessoais que confirmem a compreensão em todos os pontos de contato do paciente.
É também dever das instituições de saúde comunicar claramente o que os planos de saúde cobrem, incluindo transições de cuidados e comunicações sobre medicamentos, distribuindo materiais e conteúdo que auxiliem os usuários a compreender melhor como utilizar os serviços disponíveis.
É importante também que haja uma liderança que promova a alfabetização em saúde como parte integrante em sua missão, atendendo as necessidades da população no sentido de evitar estigmatização. Para tanto, é necessário incluir as pessoas nos projetos, implementação e avaliação de informações e serviços de saúde.
As pessoas precisam do acesso à informação para que possam participar efetivamente das tomadas de decisão, entendendo os seus direitos e buscando melhores soluções para os seus problemas de saúde. A democratização da saúde não acontece sem a disseminação da informação, por isso a alfabetização em saúde é tão essencial.