Tendência pró-consumidor se repete no debate em torno da atualização da lei de 1998 que regula o setor
A saúde suplementar vive tempos de ebulição. Depois de anos de menosprezo, queixas de consumidores ganharam um espaço nunca visto no Congresso Nacional. Foi assim com a discussão em torno da incorporação de tecnologias no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), aprovada depois de pouco mais de três meses de tramitação.
A Lei 14.454 prevê como ponto de partida a lista de procedimentos e medicamentos que os planos devem fornecer a seus clientes, conhecida como rol. Mas, caso médicos ou dentistas prescrevam tratamentos que não estejam na relação, as operadoras também são obrigadas a fornecer. Para isso, uma das seguintes condições precisa estar presente: comprovação da eficácia do tratamento, baseada em evidências científicas; aprovação da Conitec ou recomendação de um órgão de avaliação de tecnologia de saúde de renome internacional.
Para críticos da lei, que entrou em vigor ano passado, a regra foi pouco discutida e abre o risco de que terapias sem segurança comprovada sejam ofertadas. E argumentam: além de não haver segurança, os termos usados são muito vagos. O que seria, por exemplo, evidência científica?
Usuários, por sua vez, consideraram a lei uma compensação. Na avaliação das entidades, direitos de consumidores haviam sido retirados em junho de 2022, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) classificou a lista de procedimentos e medicamentos que planos são obrigados a oferecer a seus clientes como taxativa, com algumas exceções. Nesse raciocínio, a lei aprovada nada mais era do que uma correção de rumos e um resgate de direitos.
A tendência pró-usuário se repete agora, com a discussão em torno da atualização da lei que regula a saúde suplementar, de 1998. As linhas inicialmente descritas pelo relator do projeto, deputado Duarte Júnior (PSB-MA), trazem à primeira vista uma resposta a problemas históricos apontados por consumidores: a pouca transparência nas regras para reajuste de planos coletivos, a fragilidade de parte dos contratos, a instabilidade na rede credenciada.
Em entrevistas, Duarte Júnior diz que os contratos não terão carência, que haverá regras de reajustes para planos coletivos e maior controle da rede credenciada.
Ainda não se conhece o relatório. O deputado adiou por três vezes a apresentação do texto. A coluna apurou que nesta quinta-feira (22) Duarte Júnior se reuniu com representantes de entidades ligadas a planos de saúde antes do último adiamento.
As linhas gerais da proposta apresentada pelo deputado, que está em seu primeiro mandato, foi presidente do Procon e é pré-candidato a prefeito, são duramente criticadas por empresários de planos. Afirmam que medidas colocam em risco a sustentabilidade do setor, que não há amparo em dados técnicos e que uma longa discussão deve ser realizada antes que um texto seja construído.
A regulação das mensalidades de planos coletivos (que representam a maior fatia do setor) é classificada pelos críticos como uma interferência à livre iniciativa. Entidades de classe empresariais, para além do setor de planos de saúde, preparam documentos com conteúdo contrário à proposta para apresentar a parlamentares.
Mas a proposta de regulação de planos coletivos não é um tema novo. É uma bandeira importante do Instituto de Defesa do Consumidor, apoiada por advogados consumeristas.
A expectativa é que a discussão, apesar das falas de Duarte Júnior, fique para o próximo semestre. A pauta do Congresso já está repleta de temas considerados prioritários, como reforma tributária e arcabouço fiscal, sem falar na LDO. Nesse cenário, não haveria, por parte dos líderes de partidos, disposição para ingressar em uma discussão repleta de pontos polêmicos.
Esta também não é a primeira vez que o Congresso tenta reformular a Lei de Planos de Saúde. Duas iniciativas anteriores para alterar a lei já haviam sido feitas. As propostas, contudo, deixaram entidades de direito do consumidor apreensivas, sobretudo com o formato, na época chamado de plano popular, de menor preço, menor cobertura e, na avaliação de quem acompanha o setor, com pouca resolutividade Os textos foram engavetados, para alívio de defensores dos consumidores.
Hoje a tendência se inverteu. Duarte Júnior afirmou que espera contar com a pressão popular para ver suas propostas tramitarem de forma rápida.
A coluna apurou que a aposta, no entanto, não agradou líderes de partidos e uma ala de parlamentares, que considera haver um risco de ser colocada “contra a parede”. Outro ponto importante é que, embora o projeto tramite em regime de urgência, dado o seu caráter polêmico, novas rodadas de discussão devem ser abertas, seja com audiência pública ou com a instalação de um grupo de trabalho. Somente quando houver maior consenso, o tema seria pautado em plenário pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Embora sejam inúmeras as críticas ao discurso estridente de Duarte Júnior, uma coisa é fato. Há uma movimentação para que alguns temas por ele abordados passem a ter alguma resposta. Na agenda regulatória da ANS, alguns temas já estavam em análise.
À coluna, o presidente da ANS, Paulo Rebello, disse ter colocado à disposição do relator todos os estudos preparatórios sobre os temas. Afirmou ainda que algumas das propostas podem ter seu tempo ajustado, de acordo com as linhas que forem pensadas pelo relator. “Não faria sentido a ANS regular um tema para que, pouco tempo depois, ele seja alterado”, declarou Rebello.
As discussões ainda estão no início. Mas seja no episódio do rol da ANS, seja no debate em torno de planos de saúde, o recado que fica é: a resistência para que ajustes necessários sejam feitos pode trazer como consequência resultados imprevistos.