Sob Pressão, Agências Reguladoras Defendem Lei Contra Indicação Política

Sob Pressão, Agências Reguladoras Defendem Lei Contra Indicação Política

Projeto de lei que muda regulação de órgãos tenta restringir influência de governantes e TCU

Em meio a uma crescente pressão sobre as decisões das agências reguladoras, analistas e representantes dos órgãos defendem a mudança de regras do setor, que hoje está em tramitação no Congresso Nacional.

Além das críticas às frequentes indicações políticas em suas diretorias, os órgãos têm sido alvo de forte interferência do TCU (Tribunal de Contas da União).

O projeto de lei que altera as normas das agências traz medidas que ajudam a blindar os órgãos dessas influências.

Uma pesquisa da FGV de 2016 mostrou que 81% das nomeações em agências reguladoras vêm de órgãos públicos –das próprias agências reguladoras, de ministérios, de estatais, do Senado Federal ou outros órgãos ligados ao estado. Foram analisadas 18 agências, federais e estaduais.

Apenas 6% dos dirigentes vêm do setor privado, segundo a professora da FGV Juliana de Palma.

Um dos principais focos do texto é coibir as indicações políticas, com a definição de requisitos para a nomeação de dirigentes nas agências –como a exigência de formação acadêmica compatível com o cargo e experiência profissional ou acadêmica na área.

Um dos principais focos do texto é coibir as indicações políticas, com a definição de requisitos para a nomeação de dirigentes nas agências e a criação de um processo de “pré-seleção” –um processo seletivo em que candidatos se apresentam e são entrevistados por uma comissão, que fará uma lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da República.

“Quando as agências foram criadas, no fim dos anos 1990, a expectativa era que se aperfeiçoassem, mas o que ocorreu foi o contrário”, afirma Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper.

Em evento na Fiesp (Federação da Indústria do Estado de São Paulo), nesta sexta (17), representantes de diversas agências –Anatel (telecomunicações), ANTT (transportes), ANP (óleo e gás), ANA (água) e Antaq (transporte aquaviário)– defenderam a aprovação do projeto.

No entanto, em suas apresentações sobre o projeto, os representantes focaram em outras medidas consideradas positivas, como a autonomia orçamentária e a exigência de uma avaliação de impacto regulatório das decisões.

“Todas [as indicações] são políticas. Quem indica é o presidente da República”, afirmou Christianne Dias Ferreira, diretora da ANA (Agência Nacional de Águas), após o evento. Sua nomeação, no fim do ano passado, sofreu críticas de parte do setor pela falta de experiência técnica em gestão de recursos hídricos.

Ela rebate, afirmando que sua indicação tem base técnica, já que ela atuou como sub-chefe adjunta de infraestrutura da Casa Civil, e defendeu que não é preciso ter uma formação específica ao tema.

“O antigo presidente da ANA era contador. Nós somos gestores. Acho que precisa ter uma experiência profissional que agregue à agência”, afirmou.

O projeto também prevê a criação de um processo de “pré-seleção” –um processo seletivo em que candidatos se apresentam e são entrevistados por uma comissão, que fará uma lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da República.

Para Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, a proposta do projeto de lei têm problemas, como a ideia de uma pré-seleção com recebimento de candidaturas.

“Pessoas que prezam por valores importantes provavelmente terão menos incentivo para buscar a posição [de dirigente da agência] do que outras”, diz.

A medida, de fato, não é ideal, mas ao menos dá alguma transparência ao processo de escolha aos dirigentes, afirmou Juliana de Palma.

Outra mudança presente no texto é a limitação dos mandatos de dirigentes a cinco anos, sem possibilidade de nova nomeação.

“[A possibilidade de] Ser reconduzido muda o jogo. Às vezes você trabalha para ser reconduzido”, afirma Marcelo Pacheco dos Guaranys, subchefe da Casa Civil.

O projeto, originado no Senado, sofreu algumas mudanças em comissão especial da Câmara dos Deputados. O texto ainda deverá passar por votação do plenário da Câmara para, então, retornar ao Senado.

TCU E AS AGÊNCIAS

Uma das mudanças em relação ao texto original mais comemoradas por analistas do setor de infraestrutura são os artigos que buscam restringir a influência dos órgãos de controle nas decisões das agências.

Nesta semana, o TCU publicou um acórdão que autoriza os ministros a “corrigir” normas editadas pelas agências, “quando verificada ineficácia nas ações de regulação”.

“Fazer regulação no Brasil nunca foi tão difícil”, afirma Fernando Alfredo Franco, presidente da Abar (Associação Brasileira de Agências de Regulação). Para ele, o embate com o TCU tem gerado insegurança jurídica às regras.

Um caso emblemático desse confronto foi o leilão da RIS (Rodovia de Integração Sul), em que o TCU inicialmente rejeitou o edital e fez diversas recomendações e críticas aos estudos da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

“Estamos permitindo uma terceirização da regulação”, afirmou Mário Povia, diretor-geral da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que recentemente teve uma resolução anulada liminarmente pelo TCU.

“Dessa forma, vamos ter auditores e não reguladores”, disse.

O projeto traz duas medidas para tentar frear a interferência do tribunal: o primeiro é o artigo que diz que os órgãos de controle não podem alterar decisões das agências ou puni-las por “mera divergência de entendimento técnico”.

O segundo artigo impede que dirigentes dos órgãos sejam responsabilizados por decisões tomadas, a não ser em caso de dolo, fraude ou erro grosseiro, com objetivo de evitar punições por parte do TCU.

Outra exigência prevista da lei será um estudo de análise de impacto regulatório para as decisões das agências.

Os especialistas também ressaltam que uma lei não é suficiente para garantir um real avanço.

“A prova de fogo será quando um governo tentar interferir, baixar tarifa, e o dirigente disser não. A lei não será suficiente para chegarmos lá, mas seria um marco”, diz Lazzarini.

Fonte: Thais Hirata Folha de São Paulo

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